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Os quadrinhos marginais, ou independentes, ou "underground" têm se caracterizado no Brasil pela sua pouca consistência temática e pela eventualidade de sua publicação. Algumas experiências foram tentadas ainda na década de 70, quando a revista GRILO introduziu no país os trabalhos de um dos maiores artistas deste gênero nos Estados Unidos: Robert Crumb, com seus personagens contestadores ao sistema capitalista e levantando a polêmica sobre assuntos malditos à época, como drogas e sexo livre. "Mr Natural" e "Fritz, the cat" influenciaram decisivamente autores nacionais como Angeli, autoconfesso fanático pelo trabalho de Crumb. As publicações alternativas brasileiras enveredaram por outro caminho, na urgência de se contrapor ao regime ditatorial imposto pelos militares. Os quadrinhos e cartuns aproximavam-se mais da charge, levantando questões políticas que mais tocavam nossa sociedade. Os quadrinhos de costumes eram praticamente inexistentes até o final dos anos 70, quando houve uma virada de perspectiva com a abertura política e novos horizontes passaram a ser almejados por nosso humor gráfico. Os quadrinhos acompanharam essa mudança de rumo fomentando trabalhos como CHICLETE COM BANANA, de Angeli, "O Condomínio" e "Piratas do Tietê", de Laerte, entre inúmeros novos quadrinhistas que semearam seu espaço na grande imprensa e nas publicações alternativas. Vem da imprensa alternativa a experiência mais marcante quanto à temática "underground" nos quadrinhos. Com um traço personalíssimo, abusando do preto, com figuras grotescas e abordando toda a escatologia abominada pela sociedade, Marcatti começou a editar suas próprias revistas no início dos 80, a distribuí-las e vendê-las de mão em mão, à moda dos poetas marginais da "geração mimeógrafo". Dono de sua própria gráfica — uma pequena máquina offset — Marcatti usou de toda liberdade para editar títulos pouco convencionais como LODO, MIJO, PÂNTANO, e fazer histórias escabrosas onde sexo se misturava com toda espécie de sujeira, mas sem cair no "moralismo edificante". O despudor e falta de preconceito de Marcatti era o que mais chocava em suas revistas que, aos mais incautos, se tornavam um libelo repugnante. Num outro prisma a cultura escatológica vinha sendo explorada por Glauco Mattoso, poeta "marginal", ensaísta e editor dos memoráveis folhetos JORNAL DOBRABIL e REVISTA DEDO MINGO. Glauco, como Marcatti, vinha na contracorrente da imprensa alternativa, que cada vez mais foi-se tornando digerível pela sociedade. Temáticas que se pode chamar extravagantes, ou mesmo pouco convencionais, como tortura, trote estudantil, poesia marginal, fazem parte do universo dos trabalhos de Glauco, que chegam ao refinamento quando partem para assuntos mais indigestos como a associação de sexo com perversão. Foi a partir de sua própria experiência que ele editou, em 1986, um livro que tornou-se polêmico pela ousadia de sua proposta. O MANUAL DO PEDÓLATRA AMADOR: AVENTURAS & LEITURAS DE UM TARADO POR PÉS conta as investidas do autor no que ele chamou de "massagem linguopedal". Através de panfletos distribuídos em pontos estratégicos de São Paulo, Glauco oferecia-se para desafogar as frustrações de diversos segmentos da sociedade, como policiais, halterofilistas, skatistas e toda sorte de pessoas com recalques, através de sua massagem. A proposta consistia em lamber os pés de homens, desde que estivessem bem sujos e fedorentos, numa síntese de humilhação e prazer para o massageador, de prepotência e prazer para o massageado. Este tipo de perversão, por mais escabrosa que possa parecer, seduziu centenas de pessoas, de adolescentes a pais de família, numa demonstração de que as fantasias humanas são mais surpreendentes do que se possa imaginar. AS AVENTURAS DE GLAUCOMIX, O PEDÓLATRA é a tradução para os quadrinhos deste livro de Glauco Mattoso, numa associação perfeita entre o roteirista Glauco e o quadrinhista Marcatti. O traço de Marcatti caiu adequadamente ao clima "underground" das histórias de Glauco, seu desenho cada vez mais preciso chega ao ponto de quem tem seu trabalho amadurecido, onde destacam-se o próprio Glauco como caricatura e personagem e a pesquisa de campo para a composição dos cenários de suas aventuras. AS AVENTURAS DE GLAUCOMIX, O PEDÓLATRA é um álbum primoroso que, mesmo tendo edição independente às grandes editoras, atinge um nível gráfico da melhor qualidade, sendo, ao mesmo tempo, um marco dos quadrinhos "underground" no Brasil.
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Gibiteca Henfil traz mostra de quadrinhos marginais
Até 28 de fevereiro de 2010, a gibiteca Henfil mantém em cartaz a minimostra sobre quadrinhos marginais. A exposição traz exemplares originais de quadrinhos de Zap Comix e de Freak Brothers, ambos de autoria de Robert Crumb, que também criou Fritz The Cat.
Dentre os nacionais, é possível encontrar edições da revista Balão, que revelou artistas como Luiz Gê, Laerte e Angeli, por exemplo. Compõem a mostra revistas dos anos 70 e 80, como Makongo, Lôdo, Valeta, Risco e Boca.
Personagens mais atuais, como Sandman, ou tradicionais, como a turma da Mônica e do Tio Patinhas, também fazem parte da coleção da gibiteca Henfil. É possível encontrar, também, títulos japoneses como Dragon Ball.
A gibiteca Henfil fica no CCSP (Centro Cultural São Paulo).
Serviço
Gibiteca Henfil
Local:Centro Cultural São Paulo
Endereço: R. Vergueiro, 1.000, Liberdade, São Paulo-SP
Telefone: 11-3397-4002
Horário de funcionamento: Terça a sexta, das 10h às 20h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 17h
Entrada franca até 28 de fevereiro de 2010
Site: www.centrocultural.sp.gov.br/gibiteca_henfil.asp
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