quarta-feira, 4 de agosto de 2010

As crianças e o crime


Como as crianças se envolvem nas organizações criminosas?

O processo de envolvimento de crianças nos grupos é descrito como sendo muito semelhante. Dowdney (2003, 2005) e Observatório de Favelas (2006) afirmam que este se inicia com o ingresso da criança por volta dos 10 anos de idade e as primeiras atividades e o envolvimento se dão progressivamente, sob a forma de prestação de pequenos serviços. O processo é lento, podendo levar meses ou anos para que uma criança seja considerada um membro integral da quadrilha. As entrevistas realizadas com moradores mais antigos nas favelas do Rio de Janeiro revelaram que, nos anos 80, o emprego de crianças não era comum. Este fenômeno teve um incremento acelerado a partir dos anos 90 e, atualmente, os menores de 18 anos representam de 50 a 60% da força de trabalho à disposição dessas quadrilhas. Dowdney (2005) relata algumas narrativas:

Antigamente, os adolescentes e crianças eram só aviõezinhos. Elas não ficavam naquele meio (...) agora não, agora elas andam armadas mesmo.
Morador de Favela - Rio de Janeiro

Eu me envolvi porque não voltei pra escola, eu não tinha dinheiro e me divertia com eles [bandas], andando de moto e essas coisas. Eu tinha 12 anos, eu já conhecia alguns dos caras do grupo. Eu comecei a conhecer eles melhor e andar com eles o dia todo. Eu gostava de tudo que eles faziam: as motos, o dinheiro... Isso excita qualquer um. As pessoas entram no grupo por essas coisas, senão eu não participaria. Eu gosto de festas e de andar com garotas.
Membro de uma banda delinqüente - Medelin - Colômbia

Dowdney (2005) apresenta o ingresso de crianças nos grupos criminosos segundo um modelo de cinco estágios, cada um com características próprias. Inicialmente, dá-se a exposição ao grupo pelo contexto do local onde a criança transita. Em seguida, a introdução por amigos ou por integrantes da família. A etapa seguinte consiste na fase de transição ("acompanhando", prestando favores, realizando pequenas tarefas ou se tornando aprendiz). Segue-se a participação plena (o sujeito é considerado confiável, e pode se submeter ao rito de passagem [02]), e a partir daí recebe uma arma de fogo, sendo considerado membro integral do grupo.

A quantidade de adolescentes do sexo masculino que tenta ingressar nos grupos criminosos locais torna desnecessária uma política de recrutamento ativo na maioria dos casos. A pesquisa (Dowdney, 2005) indica que a maioria dos entrevistados relatou que o seu ingresso no grupo se deu de forma racional e voluntária. O pesquisador argumenta que, sob o ponto de vista das crianças, o ingresso nesses grupos lhes proporciona melhores condições de reagir aos riscos sociais a que estão sujeitos. No entanto, os entrevistados indicam que a escolha em aderir a um desses grupos depende da pessoa, que é formada pelos diversos tipos de influência e de opções a que cada um tem acesso. A pesquisa do Observatório de Favelas (2006) também relata narrativas semelhantes de entrevistados que afirmam não terem sido forçosamente recrutados para o tráfico.

Sobre a questão das funções exercidas, ambos os estudos de Dowdney (2003, 2005) concluem que, inicialmente, em todos os grupos, as crianças estão subordinadas a outros integrantes mais experientes. Cada grupo tem o seu sistema de regras para a disciplina interna e funções razoavelmente definidas. Em todos os casos estudados por Dowdney (2005), as noções de idade adulta não são baseadas em um critério cronológico, mas na capacidade do sujeito realizar as funções necessárias ao grupo, como usar armas de fogo e compartilhar dos códigos e crenças culturais específicos do grupo. As funções não armadas, basicamente, consistem no apoio às atividades criminosas: ser olheiro, espião, informante, carregar, limpar e guardar armas. Quando utilizam armas, trabalham de guarda-costas, executam escoltas, defendem territórios e/ou bens, executam patrulhas armadas, vendem drogas, participam de confrontos armados e cobram tributos.

Você começa olhando.... e tem um traficante... onde você mora, você conhece aquele moleque que nasceu contigo, que tá lá hoje... tu conhece ele, ele pede pra você guardar uma arma ou... guardar alguma coisa pra ele... você vai guardando, daqui a pouco você se... tá entrando no meio, sem você perceber, você já está no meio. (Dowdney, 2005)
Adolescente de 16 anos - Morador de Favela - Brasil

Para ler artigo na integra acesse o link:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14507


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