Na minha infância, morando num kit net próximo ao parque Trianon, sendo o caçula de cinco irmãos, muitas vezes nos dias de puro tédio sem ter nada pra fazer, ficávamos sentados nas escadas falando besteiras, eu como mais novo, nunca era levado a sério. Mas todos riam quando eu começava a falar, apenas meu irmão mais velho ficava vermelho quando eu me divertia e sorrindo dizia que ia vender meu corpo, do mesmo modo que nossos ilustres vizinhos faziam. Ele chegava a ficar bravo e me dava “cascudos” mandando eu calar a boca.
Por vezes eu me sentia inútil em ver a dificuldade que passávamos e por ser menor, não podia fazer nada, não consigo explicar a sensação agridoce de vida que sentia cair pela garoa paulistana. Tentei juntar latinhas para vender, mas por ser franzino, acabava apanhando e sendo roubado por outros meninos quase todos os dias. Meu irmão do meio, às vezes tentava me ajudar correndo atrás dos moleques, mas isso me deixava ainda pior, parecia que a vida não era minha e que sempre alguém tinha que me defender.
Chegava da escola ao cair da noite, por volta das 19h00, e ficava esperando a minha mãe preparar a janta. Não gostava muito de televisão, preferia ficar observando -da janela da sala- o movimento no parque Trianon. Quanto mais escuro ficava o movimento do transito na avenida paulista diminuía, mas ao redor do Trianon não, lá ele só aumentava. Eram mulheres casadas, novas, de idade avançada, homens e tudo mais que se pode imaginar. Era um inexplicável entra-e-sai de carros que eu nem bem entendia direito, mas imaginava o que se passava.
Certo dia, na esquina do parque conheci Manuel, que apesar do nome português era paraibano. Ele era o michê mais fuleiro entre os nossos vizinhos. De tanto encará-lo, inesperadamente ele veio em minha direção disse:
- Aí garoto, me arruma um cigarro?
Mesmo tendo a certeza de que eu não fumava, entretanto, depois de ouvir a pergunta, comecei a considerar a idéia. Minhas pernas tremeram, pois meus irmãos sempre disseram que esse tipo de gente não presta e que se um dia me vissem trocando idéia com um deles, iam me arrebentar, mas minha curiosidade falou mais alto e perguntei:
- Como é seu verdadeiro nome?
Ele me olhou fixo nos olhos e depois desviou o olhar para um carro que passava em baixa velocidade, tentava enxergar quem estava dirigindo, mas a película escura nos vidros o impediu.
- A troco de que quer saber meu nome? –ele perguntou desconfiado e apoiando a mão direita no portão do parque.
- Então, por que seu braço direito esta cheio de cicatrizes? – perguntei, novamente.
Aquele não era um bom horário pra mim e meu irmão já estava para chegar, se me visse ali, com certeza o chicote ia estralar
- Porque viver da noite não é fácil e manter o ponto aqui é perigoso, você sempre tem que sair na mão com uns vagabundos que querem o seu lugar no negócio, e foi em uma dessas brigas que ganhei as cicatrizes. – ele respondeu
- É ruim ser michê, comer mulheres e homens, já de idade não deve ser fácil, ou é?
Manuel gastou alguns preciosos segundos me encarando firmemente nos olhos. Eu tinha absoluta certeza de que aqueles segundos custariam muito caro, já que a poucos metros dali um carro estava parado e já outros haviam passado em marcha lenta e só não pararam porque ele estava falando comigo. Sua camiseta branca não disfarçava a pele arrepiada pelo frio que fazia e seu boné preto já tinha gotas da garoa em sua aba. Seus músculos estavam atrofiados devido ao uso constante de anabolizantes e seus dentes amarelados pela nicotina. Ele resmungou baixinho, ainda pensando em qual resposta me dar, e puxou o boné para trás, deixando aparecer as espinhas na testa, levou a mão direita em cima do saco apertando para mostrar o volume do penes, com olhar fixo no carro que vinha lentamente em nossa direção.
- Vai se fuder, moleque!
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